segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O canto das sereias

Artigo de Claudia Giudice

Sou jornalista da velha guarda. Para mim, os blogs são uma ferramenta de comunicação confessional. Por isso, escreverei este texto em primeira pessoa, dispensando formalismos e regras jornalísticas. Nas minhas trocas de email com a Fátima Torri, que gentilmente me convidou a participar deste seminário da ARP, perguntei duas vezes sobre qual era o assunto deste comentário. Apenas na segunda resposta, quando ela disse literalmente: “Oi Claudia, o tema é a falafeminina mesmo ....” eu entendi e percebi que tinha um problema. Confesso: achei estranho...


O que é “fala feminina”? Discurso feminista? Militância? Literatura amorosa? Poesia maternal? Nunca havia me ocorrido que poderia haver uma fala feminina ou masculina. Linguagem é linguagem e ponto, pensei a princípio. Clarice Lispector fala mais aos nossos corações do que Nelson Rodrigues? Depende. Adélia Prado faz uma poesia mais arrebatadora que Paulo Leminski? Depende de novo. Mas ao iniciar essa reflexão, descobri a razão do meu raciocínio lento e da minha dúvida, naturalmente infundada.
Tenho 44 anos. Nasci na geração seguinte à queima dos sutiãs em praça pública. Comecei a usar sutiã há pouco tempo, inclusive. Apesar de ser filha de uma dona de casa (minha mãe odeia este termo), fui criada para ser “um profissional de talento”. Assim mesmo, no masculino. Minhas obrigações e desafios eram estudar, aprender uma profissão, trabalhar e ser feliz. Acho que durante os meus primeiros 42 anos de vida, fiz questão de ignorar solenemente as questões relacionadas a gênero. Nunca me posicionei “à nível de mulher (sic)” como dizem os telemarketings da vida. Sempre me enxerguei como um ser humano, que graças ao acaso do encontro de dois cromossomos x era mulher.
Confesso, 16 linhas depois de ter iniciado este texto, que mudei de idéia. A mudança é recente. Tão recente que ainda não foi totalmente assimilada por mim. Mudei porque me tornei mãe. Mudei porque amadureci e já não preciso mais me levar tão a sério. Mudei porque conheci mulheres admiráveis que me mostraram que era possível ser eficiente, competente, firme, carinhosa, maternal e doce, tudo ao mesmo tempo agora. Finalmente, acho que mudei porque passei a utilizar uma fala feminina que nos é única e particular. Ela tanto pode ser a conversa das amigas retocando a maquiagem no toalete, como a declaração de amor de mãe para filha. Ou ainda, a fala da cantora Maria Bethania, que em entrevista à revista Bravo!, disse: “Sereias são as donas da voz... Senhoras da emissão, que cantam por minha boca. Só sei cantar graças às sereias. Elas me ensinaram. Minha voz apenas mora em mim. Não é minha. É das sereias.”
A fala feminina é assim: múltipla e surpreendente. Ela se diferencia das outras falas por se tratar sim, de um jeito diferente de olhar o mundo e a vida. Tem a ver com confissão, emoção, descoberta, intimidade, com gênese. Se os verbos tivessem gênero daria para afirmar, convictamente, que o primeiro verbo, aquele da Bíblia, era feminino. É fato que a história valorizou as falas de personagens masculinos, como Moises e seus 10 mandamentos. Mas prefiro crer na verdade do anedotário popular. Como, por exemplo, a piada que explica porque Jesus ao ressuscitar apareceu para Maria Madalena. O motivo é óbvio: a notícia precisava se espalhar rapidamente e só uma mulher era capaz de cumprir essa missão. Sendo assim, “a fala feminina” pode ser considerada um pleonasmo vicioso. Falar, realmente, é um talento feminino. Somos abundantes e fartas. Às vezes, cansativas e verborrágicas. Falamos bobagens e verdades. E sim, admito, falamos de um jeito que é só nosso. Que é feminino e, como diz Bethania, pertence às sereias.

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