Altas Indefinições

Estamos preparados para a imagem perfeita?

Artigo de Tetê Pacheco
Texto publicado na revista Estilo Z- 2008


O futuro é perfeito. Ouvi isso de um colega que, morando em Miami, costumava assistir diariamente à tv de altíssima definição. A tv digital. Essa que está chegando ao Brasil agora. Ele discorreu por um longo tempo sobre as maravilhas da tecnologia que torna as imagens tão, mas tão perfeitas que chega a “doer”, segundo ele...

Que medo, pensei. A escalada da intolerância às imperfeições humanas está apenas começando.
Vai ser um verdadeiro extermínio de atrizes com idade superior a 20 anos. Sim, porque nenhuma pele resiste a tamanha definição.
E as que, por algum efeito de pós-produção, consigam, não serão toleradas na vida real. “Eu vi você na tv ontem. Essa ruga aí no seu rosto é mesmo de verdade?Não acredito!!”
O problema da disseminação em massa da imagem perfeita é que seu poder dizimador da imagem real vai surtindo efeito aos poucos.
Vamos não percebendo e de repente estamos horrorizados diante de qualquer coisa que não nos pareça de estética impecável. Cromatica, epidermica, física e mentalmente falando.
Diante da perfeicão visual, tudo precisa ser adaptado. Nada de excessos. Opiniões muito exaltadas, discursos muito profundos, palavras que tenham conotações mais fortes, sujeiras em geral.
Esses são elementos que não combinam nada com a assepsia visual.
A linguagem da tv de altsíssima definição precisa ser mais clara, precisa, enxuta. Ou seja, podemos ir nos preparando para um inevitável esvaziamento de conteúdo emotivo.
As fotos de Bert Stern, em que Marilyn Monroe aparece nua, com uma enorme cicatriz decorrente de uma cirugia na vesícula são de uma imperfeição maravilhosa. As imagens dos anos 50, onde Suzan Sontag aparece com seu filho, David Rieff, ainda pequeno, são escuras, a pele dela não tem uniformidade, vemos as manchas, as roupas estão meio amarfanhadas e, por isso mesmo é tudo absolutamente belo. De verdade.
Será que vai dar pra passar invasão de favela na tv de alta definição?
E CPI? O assalto na famácia. A briga na saída do bar. A velhice da atriz da novela. O sorriso amarelo do apresentador. Quem vai aguentar ver de perto e de forma tão nítida nossas piores imperfeições?
Vejo o futuro ainda indefinido. Ainda bem.